TECNOLOGIA ASSISTIVA
I- Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e a Tecnologia Assistiva
Conforme destacou Vygostsky, é sumamente relevante para o desenvolvimento humano o processo de apropriação, por parte do indivíduo, das experiências presentes em sua cultura. O autor enfatiza a importância da ação, da linguagem e dos processos interactivos na construção das estruturas mentais superiores (VYGOTSKY, 1987). O acesso aos recursos oferecidos pela sociedade, escola, tecnologias, etc., influencia determinantemente nos processos de aprendizagem da pessoa.
Entretanto, as limitações do indivíduo com deficiência tendem a se tornarem uma barreira para esse aprendizado. Desenvolver e disponibilizar recursos de acessibilidade, a chamada Tecnologia Assistiva, seria uma maneira concreta de neutralizar as barreiras causadas pela deficiência e possibilitar a inserção desse indivíduo nos ambientes ricos para a aprendizagem, proporcionados por sua cultura.
Outra dificuldade que as limitações de interacção trazem consigo são os preconceitos a que a pessoa com deficiência está sujeita. Desenvolver recursos de Tecnologia Assistiva também pode significar combater esses preconceitos, pois, no momento em que lhe são dadas as condições para interagir e aprender, explicitando o seu pensamento, o indivíduo com deficiência mais facilmente será percebido e tratado como um "diferente-igual"... Ou seja, "diferente" por sua condição de pessoa com deficiência, mas ao mesmo tempo "igual" por interagir, relacionar-se e competir em seu meio com recursos mais poderosos, proporcionados pelas adaptações de acessibilidade de que dispõe. É visto como "igual", portanto, na medida em que suas "diferenças", cada vez mais, são situadas e se assemelham com as diferenças intrínsecas existentes entre todos os seres humanos. Esse indivíduo poderá, então, dar passos maiores em direção a eliminação das discriminações, como consequência do respeito conquistado com a convivência, aumentando sua auto-estima, porque passa a poder explicitar melhor seu potencial e seus pensamentos.
É sabido que as novas
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) vêm se tornando, de forma crescente, importantes instrumentos de nossa cultura, e o acesso a elas, um meio concreto de inclusão e interacção no mundo. A chamada "cibercultura" permeia cada vez mais as diferentes realidades da sociedade contemporânea, influenciando e reconfigurando os processos de aprendizagem e desenvolvimento (LÉVY, 1999).
Essa constatação é ainda mais evidente e verdadeira quando nos referimos a pessoas com deficiência. Como bem sinalizou Mary Pat Radabaugh:
Para as pessoas sem deficiência, a tecnologia torna as coisas mais fáceis.
Para as pessoas com deficiência, a tecnologia torna as coisas possíveis. (RADABAUGH, 1993)
Nesses casos, as TIC podem ser utilizadas ou
como Tecnologia Assistiva, ou
por meio da
Tecnologia Assistiva.
Definindo,
Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (COMITÊ DE AJUDAS TÉCNICAS, CAT/SDH/PR, 2007).
São considerados recursos de Tecnologia Assistiva, portanto, desde artefatos simples, como uma colher adaptada, uma bengala ou um lápis com uma empunhadura mais grossa para facilitar a preensão, até sofisticados sistemas computadorizados, utilizados com a finalidade de proporcionar uma maior independência e autonomia à pessoa com deficiência (GALVÃO FILHO, 2009b).
Sobre esses "
sistemas computadorizados", ou seja, as TIC utilizadas
como Tecnologia Assistiva, ou
por meio de Tecnologia Assistiva, é que queremos tratar aqui.
As diferentes maneiras de utilização das TIC
como Tecnologia Assistiva têm sido sistematizadas e classificadas das mais variadas formas, dependendo da ênfase que quer dar cada pesquisador. Nós, aqui, optamos por apresentar uma classificação que divide essa utilização em quatro áreas (SANTAROSA, 1997 e, na Web, em PROINESP/MEC):
a) As TIC como sistemas auxiliares ou prótese para a comunicação: Talvez esta seja a área onde as TIC tenham possibilitado avanços mais significativos. Em muitos casos o uso dessas tecnologias tem se constituído na única maneira pela qual diversas pessoas podem comunicar-se com o mundo exterior, podendo explicitar seus desejos e pensamentos. Essas tecnologias têm possibilitado a otimização na utilização de Sistemas Alternativos e Aumentativos de Comunicação (SAAC), com a informatização dos métodos tradicionais de comunicação alternativa, como os sistemas Bliss, PCS ou PIC, entre outros.
b) As TIC utilizadas para controle do ambiente: As TIC, como Tecnologia Assistiva, também são utilizadas para controle do ambiente, possibilitando que a pessoa com comprometimento motor possa comandar remotamente aparelhos eletrodomésticos, acender e apagar luzes, abrir e fechar portas, enfim, ter um maior controle e independência nas atividades da vida diária.
c) As TIC como ferramentas ou ambientes de aprendizagem: As dificuldades de muitas pessoas com necessidades educacionais especiais no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem têm encontrado uma ajuda eficaz na utilização das TIC como ferramenta ou ambiente de aprendizagem. Diferentes pesquisas têm demonstrado a importância dessas tecnologias no processo de construção dos conhecimentos desses alunos (NIEE/UFRGS, NIED/UNICAMP, FACED/UFBA e outras).
d) As TIC como meio de inserção no mundo do trabalho profissional: Pessoas com graves comprometimentos vêm podendo tornar-se cidadãs ativas e produtivas, em vários casos garantindo o seu sustento, por meio do uso das TIC.
Com certa frequência essas quatro áreas se relacionam entre si, podendo determinada pessoa estar utilizando as TIC com finalidades presentes em duas ou mais dessas áreas. É o caso, por exemplo, de uma pessoa com problemas de comunicação e linguagem que utiliza o computador como prótese de comunicação e, ao mesmo tempo, como caderno electrónico ou em outras actividades de ensino e aprendizagem (GALVÃO FILHO e DAMASCENO, 2006).
II- Utilizando a Tecnologia Assistiva em Ambiente Computacional e Telemático
Nosso interesse específico aqui é apresentar um pouco mais detalhadamente alguns recursos de Tecnologia Assistiva para o acesso ao computador e à internet, utilizadas no trabalho educacional com alunos com necessidades especiais. Ou seja, o acesso ao ambiente educativo computacional e telemático, feito por meio de Tecnologia Assistiva.
Conforme tem sido detectado:
A importância que assume essas tecnologias no âmbito da Educação Especial já vem sendo destacada como a parte da educação que mais está e estará sendo afectada pelos avanços e aplicações que vêm ocorrendo nessa área para atender necessidades específicas, face às limitações de pessoas no âmbito mental, físico-sensorial e motoras com repercussão nas dimensões sócio-afetivas. (SANTAROSA, 1997).
Em nosso trabalho educacional, portanto, utilizamos adaptações com a finalidade de possibilitar a interacção, no computador, de alunos com diferentes graus de comprometimento motor e/ou de comunicação e linguagem, em processos de ensino e aprendizagem.
Essas adaptações podem ser de diferentes ordens, como, por exemplo:
[...] adaptações especiais, como tela sensível ao toque, ou ao sopro, detector de ruídos, mouse alavancado a parte do corpo que possui movimento voluntário e varredura automática de itens em velocidade ajustável, permitem seu uso por virtualmente todo portador de paralisia cerebral qualquer que seja o grau de seu comprometimento motor.
Nós classificamos os recursos de Tecnologia Assistiva para acesso ao computador que utilizamos em três grupos:
1- Adaptações físicas ou órteses.
São todos os aparelhos ou adaptações fixadas e utilizadas no corpo do aluno e que facilitam a interacção do mesmo com o computador.
2- Adaptações de hardware.
São todos os aparelhos ou adaptações presentes nos componentes físicos do computador, nos periféricos, ou mesmo, quando os próprios periféricos, em suas concepções e construção, são especiais e adaptados.
3- Softwares especiais de acessibilidade.
São os componentes lógicos das TIC quando construídos como Tecnologia Assistiva. Ou seja, são os programas especiais de computador que possibilitam ou facilitam a interação do aluno com deficiência com a máquina.
1- ADAPTAÇÕES FÍSICAS OU ÓRTESES:
Quando buscamos a postura correcta para um aluno com deficiência física, em sua cadeira adaptada ou de rodas, utilizando almofadas, ou faixas para estabilização do tronco, ou velcro, etc., antes do trabalho no computador, já estamos utilizando recursos ou adaptações físicas muitas vezes bem eficazes para auxiliar no processo de aprendizagem dos alunos. Uma
postura correcta é vital para um trabalho eficiente no computador.
Alguns alunos com sequelas de paralisia cerebral têm o tônus muscular flutuante (asteróide), fazendo com que o processo de digitação se torne lento e penoso, pela amplitude do movimento dos membros superiores na digitação. Uns recursos que utilizamos são a
pulseira de pesos que ajuda a reduzir a amplitude do movimento causado pela flutuação no tônus, tornando mais rápida e eficiente a digitação. Os pesos na pulseira podem ser acrescentados ou diminuídos, em função do tamanho, idade e força do aluno. Determinado aluno nosso, por exemplo, utiliza a capacidade total de pesos na pulseira devido a intensidade da flutuação de seu tônus e também porque sua complexão física assim o permite.
Outras órtese que utilizamos são o
estabilizador de punho e
abdutor de polegar com
ponteira para digitação, para alunos, principalmente com paralisia cerebral, que apresentam essas necessidades (estabilização de punho e abdução de polegar).
Além dessas adaptações físicas e órteses que utilizamos, existem inúmeras outras que também podem ser úteis, dependendo das necessidades específicas de cada aluno, como os ponteiros de cabeça, ou hastes fixadas na boca ou queixo, quando existe o controlo da cabeça, entre outras.
2- ADAPTAÇÕES DE HARDWARE:
Um dos recursos mais simples e eficientes como adaptação de hardware é a máscara de teclado (ou colmeia). Trata-se de uma placa de plástico ou acrílico com um furo correspondente a cada tecla do teclado, que é fixada sobre o teclado, a uma pequena distância do mesmo, com a finalidade de evitar que o aluno com dificuldades de coordenação motora pressione, involuntariamente, mais de uma tecla ao mesmo tempo. Esse aluno deverá procurar o furo correspondente à tecla que deseja pressionar.
Alunos com dificuldades de coordenação motora associada à deficiência intelectual também podem utilizar a máscara de teclado junto com "tampões" de papelão ou cartolina, que deixam à mostra somente as teclas que serão necessárias para o trabalho, em função do software que será utilizado. Desta forma, será diminuído o número de estímulos visuais (muitas teclas), que podem tornar o trabalho muito difícil e confuso para alguns alunos, por causa das suas dificuldades de abstração ou concentração. Vários tampões podem ser construídos, disponibilizando diferentes conjuntos de teclas, dependendo do software que será utilizado.
Outras adaptações simples que podem ser utilizadas, dizem respeito ao próprio posicionamento do hardware.
Por exemplo, um aluno que digita utilizando apenas uma mão, em certa etapa de seu trabalho, e com determinado software que exigia que ele pressionasse duas teclas simultaneamente, descobriu ele mesmo que, se colocasse o teclado em seu colo na cadeira de rodas, poderia utilizar também a outra mão para segurar uma tecla (tecla Ctrl), enquanto pressionava a segunda tecla com a outra mão.
Já outro aluno começou a conseguir utilizar o mouse para pequenos movimentos (utilização combinada com um simulador de teclado) com a finalidade de escrever no computador, colocando o mouse posicionado em suas pernas, sobre um livro ou uma pequena tábua.
Outra solução que utilizamos é reposicionar o teclado perto do chão para digitação com os pés, recurso utilizado por uma aluna que não consegue digitar com as mãos.
E assim, diversas variações podem ser feitas no posicionamento dos periféricos para facilitar o trabalho do aluno, sempre, é claro, em função das necessidades específicas de cada aluno.
Além dessas
adaptações de hardware que utilizamos, existem muitas outras que podem ser encontradas em empresas especializadas, como accionadores especiais, mouses adaptados, teclados especiais, além de hardwares especiais como impressoras Braille, monitores com tela sensível ao toque, etc. (ver outros endereços no final).
3- SOFTWARES ESPECIAIS DE ACESSIBILIDADE:
Alguns dos recursos mais úteis e mais facilmente disponíveis, porém muitas vezes ainda desconhecidos, são as "
Opções de Acessibilidade" do Windows (Iniciar - Configurações - Painel de Controle - Opções de Acessibilidade). Por meio desses recursos, diversas modificações podem ser feitas nas configurações do computador, adaptando-o a diferentes necessidades dos alunos. Por exemplo, um aluno que, por dificuldades de coordenação motora, não consegue utilizar o mouse mas pode digitar no teclado (o que ocorre com muita freqüência), tem a solução de configurar o computador, através das Opções de Acessibilidade, para que a parte numérica à direita do teclado realize todos os mesmos comandos na seta do mouse que podem ser realizados pelo próprio mouse. Colocamos aqui, passo a passo, a forma de configurar o computador para utilizar as
Opções de Acessibilidade do Mouse:
clique aqui.
Além do mouse, outras configurações podem ser feitas, como a das "
Teclas de Aderência", a opção de "
Alto Contraste na Tela" para pessoas com baixa visão, entre outras opções.
Outros exemplos de
Software Especial de Acessibilidade são os simuladores de teclado e de mouse. Todas as opções do teclado ou as opções de comando e movimento do mouse, podem ser exibidas na tela e seleccionadas, ou de forma directa, ou por meio de varredura que o programa realiza sobre todas as opções. Para as necessidades de nossos alunos, encontramos na Internet o site do técnico espanhol
Jordi Lagares, no qual ele disponibiliza para download diversos programas freeware por ele desenvolvidos. Trata-se de simuladores que podem ser operados de forma bem simples, além de serem programas muito "leves" (menos de 1 MB). Com o simulador de teclado e o simulador de mouse, um aluno nosso com 38 anos, por exemplo, pode começar a utilizar o computador e expressar melhor todo o seu potencial cognitivo, iniciando a aprender a ler e escrever. Esse aluno, que é tetraplégico, só conseguia utilizar o computador por meio desses simuladores, que lhe possibilitam transmitir todos os comandos ao computador
somente através de sopros em um microfone. Isso lhe permitiu escrever pela primeira vez na vida, além de desenhar, jogar, construir seu site na Internet e realizar diversas actividades que antes lhe eram impossíveis. Actualmente, ele já consegue utilizar o mouse sobre as pernas, para pequenos movimentos. Ou seja, com esses recursos de acessibilidade, horizontes novos se abriram para ele, possibilitando que sua inteligência, antes aprisionada por um corpo extremamente limitado, encontrasse novos canais de expressão e desenvolvimento.
Outros recursos bem simples, porém bastante úteis, podem ser desenvolvidos. Por exemplo, diferentes accionadores (switches) com frequência são necessários para a utilização dos Softwares Especiais de Acessibilidade. Para o accionamento de diferentes softwares, podem ser feitas adaptações nos mouses comuns com a instalação de plugs laterais, disponibilizando, através desses plugs, uma extensão do terminal do clique no botão esquerdo do mouse. Com frequência, um simples clique no botão esquerdo do mouse é suficiente para que o aluno possa desenvolver qualquer actividade no computador, comandando a varredura automática de um software, tal como escrever, desenhar, navegar na internet, mandar e-mail, etc. Para que isso seja possível, também podem ser desenvolvidos diferentes switches para serem conectados nesses plugs dos mouses e, assim, efectuar o comando correspondente ao clique no botão esquerdo com a parte do corpo que o aluno tiver melhor controle voluntário e sincrónico (braços, pernas, pés, cabeça, etc.). Esses accionadores podem ser construídos até mesmo com sucata de computador, aproveitando botões de liga/desliga dessas máquinas, às vezes para serem presos nos próprios dedos do aluno ou para accionamento com a cabeça. São soluções simples, de custo praticamente nulo, porém de alta funcionalidade, e que se tornam, muitas vezes, a diferença para alguns alunos entre poder ou não utilizar o computador.